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Dedo de prosa: entrevista com Gabriel Lordello

Dedo de prosa: entrevista com Gabriel Lordello
“Simples e generoso, Sebastião Salgado sempre estava contado uma história”

 

 

Ao longo de três meses, uma pequena fotogaleria em Vitória (ES), abrigou a exposição “Outras Américas”, trabalho emblemático de Sebastião Salgado. Foi o último espaço a exibir a obra de um dos maiores nomes da fotografia mundial. Não só exibiu, como recebeu o fotógrafo durante a abertura, em dezembro de 2024. Gabriel Lordello, fotojornalista e sócio da galeria, conta mais sobre esta história.

 

Além de ser um ícone da fotografia, Sebastião Salgado sempre foi muito admirado pela humanidade. O que essa característica diz sobre sua obra e legado? E, de que maneira, essa humanidade te influenciou?

O Salgado não se pautou pelo que a maioria dos fotógrafos busca. Nunca foi atrás do pitoresco, do extraordinário, do que chama a atenção das pessoas pela curiosidade. Com formação em economia, ele participou ativamente dos movimentos sociais. Essa bagagem foi a pauta da vida dele. Ele começa em 1974, documentando a Revolução dos Cravos, em Portugal, pela agência Sygma. Foi ali que ele voltou os olhos para esses temas.

Seu primeiro projeto, o “Outras Américas”, feito entre 1977 e 1984, mostrava comunidades fora dos grandes centros. Ele rodou a América Latina e não fez uma foto de pirâmides no México ou de Machu Picchu, no Peru (na época, o grande atrativo desses lugares que o mundo todo ia fotografar). Seu interesse era pelas pessoas, como elas viviam, seu cotidiano. A humanidade foi o que norteou a sua obra. Ele utilizou a fotografia como linguagem para externar e lançar luz sobre aquilo que ele achava importante que o mundo conhecesse.

Em relação ao meu trabalho, o Salgado sempre foi uma referência. Venho de uma criação voltada ao outro, com raízes católicas, minha mãe dava aula de catecismo, sempre ajudando e valorizando as comunidades de base. Minhas fotos abordam a cultura popular, o cotidiano, as comunidades quilombolas – são as pessoas e seus saberes que me despertam interesse.

 

Foto: Vitor Bermudes.

Pensando na fotografia de hoje e do futuro, em especial nos impactos trazidos pelas redes sociais e pela IA, o que o legado do Salgado pode ensinar para as novas gerações?

Salgado ensina sobre vivência, sobre estar próximo, sobre o sentir, o trocar. Inteligência artificial nenhuma vai ser capaz de fazer uma reportagem como ele fazia, como outros fotojornalistas fazem. De “Outras Américas”, ele vai para “Trabalhadores”, depois para “Êxodos”. Ele ia para aldeias indígenas e ficava lá por meses. Em toda a sua obra ele reflete o que vivia.

Cada fotógrafo é único porque cada um tem a sua história de vida. É como ele mesmo dizia, “a gente não fotografa com a câmera, fotografamos com a nossa cultura”. É uma frase muito repetida e é o que fica para as próximas gerações: abrace o seu tema, encontre as histórias que se conectam com a sua vida e leve para as outras pessoas.

 

Foto: Letícia Kirchmayer

A sua fotogaleria fez a última exposição do Salgado no Brasil. Como foi essa experiência?

Essa história começou no festival de fotografia, o Parati em Foco. Eu e meu sócio na fotogaleria, o Tadeu Bianconi, já tínhamos nos programado para ir ao festival quando soubemos que o Salgado seria homenageado lá.

Somos apaixonados por fotografia, vivemos disso, mas sabemos o quanto a fotografia precisa ser mais valorizada. Foi por isso que criamos a Mosaico, a única fotogaleria do Espírito Santo. Além das exposições, realizamos debates, cursos, recebemos alunos de escolas. Queríamos, então, apresentar a nossa programação para o Salgado, pedir seu apoio na difusão da fotografia capixaba e, claro, convidá-lo para uma exposição, já que a sua esposa, a Lélia Salgado, é do Espírito Santo e ele tem uma forte ligação com o estado.

Por intermédio de um amigo em comum conseguimos marcar o encontro, Para a nossa surpresa, ele simplesmente topou. No mesmo momento sugeriu à esposa que fosse algo em torno de “Outras Américas”.

Desafio lançado, fizemos juntos a expografia. No dia 15 de dezembro de 2024, o Salgado chegou ao aeroporto de Vitória levando as 22 fotos da exposição, impressas por eles em Paris. No dia 19, fizemos a abertura da exposição, realizamos um bate-papo no Sesc Glória com a projeção de “Amazônia”. Para nós, para a galeria, foi uma grande honra, uma realização extraordinária. Imagina, um espaço de 30 m² receber o Sebastião Salgado. As pessoas não acreditavam. Às vezes acho que a ficha ainda não caiu.

Simples e generoso, ele sempre estava contado uma história, cantarolando Adoniran Barbosa ou outras músicas brasileiras. Parecia que eu estava com um cara do interior. Em relação ao seu trabalho, não tinha segredos. Perguntado sobre uma característica de contraluz, ele respondia tranquilamente: “mexia nos químicos, fotografava com ISO puxado”.

Lembrando os casos do Espírito Santo, ele contou que poderia ter começado a fotografar anos antes, no início dos anos 1960, quando cursava economia na UFES. Ele morava no centro de Vitória, em uma pensão, quando conheceu o seu Neco, que tinha um fotoclube. Eles marcaram um encontro, mas Neco nunca apareceu.  “Eu poderia ter iniciado ali a minha vida na fotografia”, disse.

 

 

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