“Preservamos aquilo que conhecemos, nos apropriamos e fazemos parte”
O valor do patrimônio cultural como memória, identidade e aprendizado para as futuras gerações, em bate-papo com o promotor Marcelo Maffra, coordenador estadual das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural (CPPC).
Minas Gerais lidera a preservação do patrimônio cultural do Brasil, é uma referência para o país. Qual o papel do MPMG nessa conquista e quais são os principais desafios na defesa do patrimônio mineiro como memória e identidade, indo além dos monumentos, obras e edificações?
Realmente e felizmente Minas Gerais se destaca positivamente no cenário de preservação do patrimônio cultural brasileiro. Além do riquíssimo acervo cultural, o estado foi pioneiro ao criar, há quase três décadas, o programa ICMS Patrimônio Cultural, que realiza o repasse de recursos financeiros aos municípios que preservam seu patrimônio. Minas é o estado brasileiro que possui o maior número de bens culturais protegidos, sendo que mais de 80% dos municípios contam com um Conselho Municipal de Patrimônio Cultural atuante. Além das proteções municipais, estaduais e federais, no território mineiro há bens culturais de relevância mundial, reconhecidos pela UNESCO: Centro Histórico de Ouro Preto, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas, o Centro Histórico de Diamantina, o Conjunto Moderno da Pampulha, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e o modo de fazer o queijo artesanal.
Diante do grande desafio de preservar este rico acervo cultural, há cerca de 20 anos o Ministério Público de Minas Gerais criou a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC). Além de prestar apoio técnico e jurídico especializado aos promotores de justiça de todo o estado, a CPPC desenvolve importantes projetos interinstitucionais que auxiliam as ações de proteção e promoção do patrimônio, tais como o Sondar e o programa Minas para Sempre.
A preservação do patrimônio cultural e histórico é um dever compartilhado entre sociedade e poder público. Mas é preciso que a população tenha consciência sobre o valor dos seus espaços e tradições. Em termos de educação e conscientização patrimonial, ainda há muito a ser feito? Qual o caminho para ampliar a conscientização popular?
Costumo dizer que a educação patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural”, através do qual se promove um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização da herança cultural de uma comunidade, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados.
O MPMG e a CPPC, por meio dos seus programas, têm possibilitado a formação de mão de obra através dos canteiros oficina escola, possibilitando a transmissão dos saberes relacionados às técnicas tradicionais de construção e restauração. Além disso, tem apoiado a realização de eventos e edição de livros , possibilitando a difusão de conhecimento sobre o patrimônio cultural, tornando-o acessível a um público mais amplo. E por meio do prêmio “Guardiões do Patrimônio Cultural” reconhecemos e valorizamos ações dedicadas a preservação e proteção do patrimônio cultural de Minas Gerais, incentivando a sua continuidade e estimulando outras ações similares.
No entanto, a educação para o patrimônio deve ser um processo permanente e sistemático , desde o ensino fundamental, formação de conselheiros de patrimônio cultural, passando pela graduação e pós graduação, com formação adequada de técnicos para que atuem com respeito ao acervo cultural deixado pelos nossos antepassados, único e irrepetível. Os processos de proteção devem envolver a comunidade local na escolha de bens a serem protegidos e na gestão compartilhada do patrimônio, já que somente preservamos aquilo que conhecemos, nos apropriamos e fazemos parte.
Como o senhor enxerga o papel da fotografia na preservação do patrimônio, pensando em seu viés documental e artístico, mas também em seu viés inclusivo – já que a fotografia tem forte apelo popular, seja ao atrair atenção para o patrimônio em exposições públicas ou na realização de oficinas de formação.
A fotografia é uma importante fonte histórica, uma visão tangível do passado, aberta a múltiplas interpretações. Uma janela aberta para que as gerações do presente compreendam seu passado, fornecendo dados que contribuem para a construção do nosso futuro.
As fotografias são uma forma universal de linguagem visual que transcende barreiras linguísticas e culturais. Possuem a capacidade de contar histórias, transmitir ideias e emoções. A fotografia está diretamente relacionada à memória, capturar momentos especiais para que sejam sempre lembrados. São como um arquivo visual, permitindo que momentos importantes do passado sejam revividos no presente e rememorados no futuro, essencial para a formação da nossa identidade.
Através da fotografia é possível retratar e registrar tradições, costumes, valores e crenças, ajudando a preservar a nossa diversidade cultural. Permite que comunidades, muitas vezes invisibilizadas, documentem seus próprios bens e narrativas. Registra o estado físico de bens culturais antes e depois de restaurações. Cria um acervo histórico acessível para estudos e comparações futuras. Muitas vezes é utilizada como prova em processos judiciais ou ações de proteção patrimonial.
Além destes e muitos outros aspectos práticos, o viés artístico dos fotógrafos responsáveis pelas imagens captura detalhes invisíveis ao olhar comum, como texturas, luzes e ângulos únicos, reinterpretando o patrimônio com sensibilidade. As exposições físicas e digitais democratizam o acesso ao patrimônio .
E o MPMG tem valorizado a fotografia por meio de concursos que incentivam a produção de imagens, valorizando nossa riqueza histórica e artística, estimulando a preservação e divulgação desse rico acervo.
*Créditos foto: Camila Soares/MPMG